SEXO VIRTUAL
Por Lélia Almeida*
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Escrevi um romance que se chama Anêmona Bristol e que conta a história de uma blogueira tão ruim, mas tão ruim, que a personagem termina, por este motivo, ganhando grande popularidade. «Anêmona Bristol» é o pseudônimo de Ítala Açucena, uma escritora fracassada que se pergunta por que as mulheres têm tanta dificuldade de escrever humor e erotismo.
Para a construção da personagem criei, em algumas redes sociais, durante muitos meses, o perfil de Anêmona Bristol, que é uma espécie de piriguete retardada, gostosa e popozuda; com isso pude teclar com marmanjos de todo o país por noites inteiras, e acabei conhecendo um universo peculiar. Peculiar e familiar, se me faço entender. Porque o que tem na rede é o que tem na vida real, na mesa do bar, do boteco, do trabalho, de qualquer lugar onde as pessoas habitam e convivem. E mesmo tendo lido muitos especialistas sobre namoros e encontros na internet, não sou capaz de teorizar sobre o tema. A minha pergunta, a mesma de Ítala Açucena, é simples: por que as mulheres não escrevem humor e não falam sobre sexo?
Descobri algumas coisas que todo mundo que navega sabe. Você passa a ser chamada, imediatamente, por nomes super originais como «gata», «princesa», «linda» e «querida», o que por si só já é uma retardadice. Estou falando dos homens, mas quero dizer que também conversei com muitas mulheres e a idiotice é a mesma, com seus «queridos», «gatinhos», «meu príncipe», «gostoso» etc. A cordialidade no diálogo dura segundos, o tempo da criatura perguntar «de onde vc está tc». Você aprende a escrever «naum», «te kero», «humm», nesta outra língua que as pessoas da minha idade precisam aprender e que qualquer pessoa de 30 anos domina com perfeição, intercaladas com carinhas com sorriso pra cima, pra baixo, corações vermelhos latejantes de muito mau gosto, vídeos de beijos de língua completamente artificiais, fodas horrorosas e vídeos do YouTube com músicas como «Have you ever really loved a woman?, do Bryan Adams, «My heart will go on (LIVE)», da Celine Dion, «Leviana», do Reginaldo Rossi ou «Toda Mulher», do Wando. A cordialidade dura segundos, você diz de onde está teclando, o outro também, ele vai dizer que a sua cidade é linda e que tem muita vontade de conhecer, pergunta se você é casada, ele quase sempre diz que está casado, mas que conta com a imponderabilidade do destino e que por isto está ali babando no seu perfil. Alguns ainda se arvoram a certo grau de sofisticação espiritual dizendo que sentem a sua energia e especulam sobre o quanto é mágico identificar-se com uma pessoa sem conhecê-la, afinal, nada é por acaso, apelando para expedientes relativos à sincronicidade junguiana ou para o repertório astrológico.
Passados os breves segundos da cordialidade vai-se, então, diretamente para a putaria deslavada onde você lê pérolas originalíssimas como «toma rola», «toma pica», «me dá a tua bundinha», «te chupo toda», e o procedimento é meio padrão. Há um padrão, do tempo do término da cordialidade até o começo do embate, e, imediatamente, o senhor pergunta pelas suas mais secretas fantasias e, sem sequer ler o que você possa ter escrito, declara que deseja, sem mais delongas, o seu rabo. Porque a única e maior transgressão sexual do macharedo brasileiro, de qualquer idade, do Oiapoque ao Chuí, é comer um cu. Pensem o que quiserem, eu não interpreto nada, eu sou uma escritora, eu só ouço e escrevo. Indo para o âmbito internacional, os portugueses clamam por «comer-te a gatas» (ou seja, de quatro) e querem traçar a tua «rata». E foi neste momento que tive de alinhar o vocabulário, com alguns, porque, além das diferenças regionais, mesmo transcontinentais, havia outras de ordens diversas que me broxavam e impediam de continuar a conversa com homens adultos que falavam do seu pintinho e com mulheres velhas que falavam da sua coisinha.
Alicia Steimberg, uma das escritoras mais geniais da atualidade, argentina, escreveu uma verdadeira obra-prima chamada Amatista, que foi finalista de um importante prêmio de literatura erótica, o La Sonrisa Vertical, e que, lamentavelmente, nunca foi traduzido ao português.
Steimberg, em Amatista, cria um diálogo entre uma psicanalista e um paciente que faz com que a gente leia o livro de cabo a rabo, sem respirar, uma perfeição. Também é dela uma reflexão sobre literatura erótica onde ela diz que os argentinos não têm o menor problema de dizer que são muito liberais e que trepam muito e com quem lhes apetece, mas que são incapazes de dizer, com o mesmo desprendimento e orgulho, que são grandes punheteiros. Para ela escrever literatura erótica e ter um público leitor interessado significaria mais ou menos isso, uma grande masturbação coletiva. Difícil é fazê-lo com a perfeição que ela alcança. Porque se pensarmos no ato em si, há uma mecânica simples que obedece e movimentos de entra e sai, levanta e sobe, e não há como transformar esta dinâmica simples em algo interessante ou excitante.
Consta que a população brasileira, dos quase 300.000 verbetes do Houaiss, faz uso de uma média de apenas 4.000 deles, e eu garanto a vocês que no quesito putaria-na-rede o vocabulário deve estar restrito a muito menos de 50 palavras, já que a prática me permitiu contabilizar também esta precariedade quantitativa. Eu e Anêmona Bristol buscávamos poses, posições, e, principalmente, vocabulário, entendendo que há maravilhas na língua portuguesa, palavras mimosas e sugestivas como «côncavo», «baba-de-moça», «vara», «pomba», «rombudo», «badalo», «rola», «ferro», «estojo», «urna», «cava», «cona», «bainha», «vagem», «berbigão», «castanha», «carlotinha», «crica», «dedo-sem-unha», «dente-de-alho», «espia-caminho», «hastezinha», «pevide», «pito», «pinguelo», «sambico», «mitra», «cabaça», «monte-de-vênus», «larga», «aguada», «apertada», «arrombada», «bela», «perseguida», «bochechuda», «cabeluda», «crespa», «pentelhuda», «preta», «suada», «boca-do-mato», «brecha», «caixinha de segredos», «canoinha», «cova», «devora cobra», «lanho», «cofre», «ninho-de-rola», «rego», «escrínio», «aranha», «bacalhau», «barata», «bichana», «lacraia», «mosca», «passarinha», «perereca», «pomba», «rola», «ursa», «touceira», «cebola-quente», «barbiana», «romã», «rosinha», «xexeca», «xoxota», «breba», «buça», «búzio», «ferrolho», «ganso», «rodela», «bronha», «mastruço», «gruta», «porongo», «estrovenga», «bagos», «bimba», «pimbinha», «bilola», «bilunga», «bastão», «fole», «bífida», entre outras.
Em se tratando do vocabulário erótico na rede podemos concluir que nada é surpreendente ou instigante, e o que temos é de uma pobreza atroz.
Importante esclarecer que o que me interessava era a narrativa da coisa, o palavreado mesmo, e que, portanto, o embate durava o tempo exato que as criaturas suportavam o meu espichado cu doce; mas sem webcam, porque, com ela, as palavras, que era o que eu buscava, desapareciam imediatamente.
Fiquei, nas primeiras semanas, estarrecida com a naturalidade com que os bofes perguntavam «vc que ver o meu pau?». Nossa! Como os homens amam os seus membros! Isso é realmente digno de nota e estudo. Não conheço nenhuma mulher que tenha tamanha obsessão e genuíno afeto por suas partes íntimas.
E aprendi outras coisas importantes que vou levar para a vida e que, como sou generosa vou dividir com você, leitor. Na rede, como na vida, há sempre um que ama mais que o outro, um que se dedica mais, que se esforça mais. Reconheço que, no meu exercício literário, onde o espírito da puta se mesclava ao da antropóloga-assistente social em campo, propiciei momentos maravilhosos para algumas criaturas, com a riqueza de detalhes que requer a descrição de um bom fellatio ou de uma eficiente cunilíngua, e a criatura gozava com um simples «kasdhjoiwqfksfiowyhwndkshoaidiwhdlwqn»! Dá licença, é muita preguiça, né? Na vida real deve ser daqueles preguiçosos que deixa uma mulher com LER (Lesão por Esforço Repetitivo) em determinadas situações onde se requer empenho e constância. O sexo na rede é uma debiloidice, eu garanto, assim como na vida real, onde quase sempre também é complicado.
E sobre a minha busca posso dizer que foi um flagrante desastre, uma decepção. Larguei a rede e voltei aos clássicos literários, porque o erotismo não tem a ver com a coisa em si, mas com o contexto, e este segredo, sabido por muitos, é facilmente esquecido, tanto na vida, como na rede e na literatura. O que nos excita não é o que se mostra, mas o que se esconde.
A pergunta sobre por que as mulheres não escrevem humor e erotismo continua, para mim, sem uma resposta satisfatória. A revolução sexual, que liberou as mulheres para a farra com os métodos contraceptivos, não destravou, devidamente, as suas línguas, e isso é sintomático. Raras exceções merecem ser mencionadas, relembrando aqui alguns poucos nomes que me são caros como as imbatíveis Hilda Hilst e Márcia Denser, a própria Steimberg, as históricas Anaïs Nin e Colette, e duas senhoras brasileiras, sucesso absoluto de público de sua época, a quem Anêmona Bristol homenageia: Adelaide Carraro e Cassandra Rios, dignas de séria e urgente revisitação.
Despeço-me contando sobre um fenômeno que lanço como desafio e charada para os entendidos de sexo na rede. Depois de despachar alguns marmanjos inconvenientes recebi vários vídeos do YouTube com trechos do Pequeno Príncipe. Eles reclamavam, através daquela raposa imbecil, que eu era responsável pelo que tinha cativado. Esses mesmos homens são os destemidos comedores de rabo, que, quando rejeitados e ressentidos, são transformados em queixosas misses, choramingando pela foda perdida. Só me atrevo a pensar que uma queixa deste tipo anuncia o fim da civilização, o fim do mundo, mesmo, uma tristeza sem precedentes na história das relações, tema que entrego de bandeja para os estudiosos da crise da masculinidade de plantão e das feministas doutoras em gênero, porque eu agora vou cuidar de terminar o meu romance, Anêmona Bristol, que será mais um na fila de outros que não consigo publicar em lugar nenhum deste país.
MEDO DOS CÃES, MEU PAI
Hoje eu sei que o medo é frio. Como que metálico. Como devem ser os trilhos por onde deslizava o trem que levava as mulheres da família para fazer o procedimento do outro lado da linha divisória, na fronteira. O procedimento sempre se faz longe de casa, que é pra não se deixar pistas. É assim desde que o mundo é mundo. E não vai mudar. Voltaram sempre quebradas, todas elas, o corpo dobrado no movimento desencontrado da cólica de um caracol vazio, as almas secas. É assim que todas sentem, hoje sei, embora não se fale muito no assunto. É frio, eu dizia, o medo. É gelado. Como os trilhos que são como os objetos cortantes usados no procedimento.
Quando acordei vi um crucifixo na parede branca e cheguei a pensar que estava no céu. Uma freira se aproximou, me alcançou um absorvente, disse que eu podia ir e que a receita estava dentro da minha mochila. Desejou-me boa sorte. O ferro da cama antiga e os objetos cortantes, os trilhos, o medo é frio e metálico.
Minha amiga me esperava dentro do carro. Abriu a porta com cuidado e me ajudou a sentar e a colocar o cinto. Quando a casa ficou para trás eu disse que assim que eu tivesse o dinheiro… Ela respondeu que eu não me preocupasse, a gente sempre faz isso por alguém, essa é a paga, é assim que a gente paga, ela explicou. Chá de macela, o comprimido, cama e um frio que não passa. Sonhei nesse mesmo dia que você era uma menina, desde então quando penso em você, penso numa menina, por causa do sonho, deve ser. Minha mãe e minha avó não tiveram a mesma sorte na viagem de volta do procedimento. Sacolejaram no trem, mortas de dor e tiveram que dar a janta para as crianças e para os maridos e continuar a fazer a vida andar. Uma vida tão cheia que elas mal lembram, agora, e que talvez seja por isso que elas fiquem sem saber o que me contar sobre aquele dia. E sobre todos os outros que se repetiram ao longo de uma vida, quando elas tomavam o trem sem saber se voltavam ou não para preparar o jantar. Era assim naquele tempo, elas me dizem. E o tom da voz da minha mãe fica mais baixo, e o da minha avó, mais metálico.
Ao contrário do que aconteceu com elas, depois do procedimento fui de carro pela mesma estrada para a casa onde vivem agora o meu Pai e os cães de guarda. Fui para lá para descansar. Há mato sobre os trilhos e a máquina está enferrujada perto da estação. Diga que é cólica menstrual, essa é sempre uma boa explicação. E assim você vai pra cama sem muita explicação, ela me orientou, a minha amiga. O tempo passa e o procedimento é sempre o mesmo. Desde as agulhas de tricô e crochê atravessadas, chás, raspagens mal feitas, óbitos.
É frio o medo. E ácido. Não reconheço o cheiro do meu corpo. Suo e tremo de frio. Meu Pai toma o mate na frente da lareira enquanto uma voz grave, de homem, despeja monótona o noticiário na Rádio Belgrano de Buenos Aires. Meu pai dormita ao pé do fogo. Abro a porta e saio na noite gelada enrolada na ruana grossa. O céu imenso, o campo que parece um mar, a figueira. Sento perto do balanço quebrado e choro baixinho. Os cães começam a latir. Cuscos de merda, meu Pai sempre diz, um dia ainda matam um vivente e me encrencam. Estão furiosos. Começo a suar frio sob o peso da ruana e sinto o líquido quente escorrendo entre as minhas pernas, lembro que pensei, a bolsa estourou, pensei que você ia nascer, um delírio como uma estrela cadente jogada naquela imensidão, o campo. Você que não existia mais. O sangue que escorria era você não sendo. Comecei a chorar então e o que saía de mim era como um miado e isso deixou os cães mais loucos ainda. Foi então que ouvi a voz do meu Pai, onde você está, minha filha? Ele perguntou, entre brabo e assustado. Eu disse, tenho medo dos cães, tenho medo de morrer. Ele disse, vamos pra casa, e fique quieta que então eles vão sossegar também. Mal podia andar. E a dor que parecia um trem veloz sobre mim. Mas a voz do meu Pai me assegurava que se eu ficasse quieta tudo ia ficar bem, que os cães iam se acalmar.
Quando lembro daquela volta pra casa, ao lado dele, tenho uma sensação estranha, minha filha. Se é que posso lhe chamar assim. A de que um silêncio tomou conta da minha vida, como quando a gente abaixa o som da TV num filme de terror ou de suspense, pra não sentir medo. E de que tudo ficou bem então. Os latidos dos cães foram diminuindo dentro de mim e a minha vida foi se enchendo de silêncio. E de tudo o que o silêncio pode guardar, culpa, vergonha, medo, essas coisas de mulher. E de uma saudade que nem eu entendo. Uma vida sem os seus barulhos, minha filha.
Uma vez que outra sonho com os trilhos e com os objetos do procedimento que ora brilham ora não, como relâmpagos, no escuro. E aí lembro que um dia você esteve aqui. E para que tudo fique em paz outra vez, volto a dormir e esqueço. Meu Pai tinha razão, posso lhe dizer isso agora, o silêncio é um santo remédio. Um remédio que faz a gente se acalmar e ter a certeza de que a gente não vale nada.
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* Lélia Almeida es escritora, traductora y consultora de temas relacionados a Género, Seguridad Pública y Derechos Humanos. Autora de las novelas «Antonia», «Senhora Sant’Ana», «Querido Arthur» y «O amante alemão», que recibió el Prêmio Açorianos de Mejor Novela del 2013 de la Secretaria de Cultura del Ayuntamiento de la Ciudad de Porto Alegre. Es autora de los libros de crónicas «As Mulheres de Bangok», «50 ml de Cabochard», «Mujer de Palabras» y «Posts da Lélia», de los esquetes «As gregas do Mangue» y de los ensayos «A sombra e a chama :(uma interpretação da personagem feminina n’O tempo e o vento de Érico Veríssimo» y «As meninas más na literatura de autoria feminina».
Ha participado de las antologias «O livro das mulheres» de Charles Kiefer, «Nós, os gaúchos» de Luís Augusto Fischer e Sergius Gonzaga, «O Tempo e o Vento – 50 Anos» organizado por Goncalves, Robson Pereira, ha publicado poemas en el «Pequeno inventário poético da Fronteira Oeste», organizado por Vera Molina, por la Editorial Proa, y cuentos en las antologias «Nem te conto» y «Nem te conto II» organizada por Romar Beling e Rudinei Kopp, en Santa Cruz do Sul.
Fue profesora universitaria actuando de lenguas y literaturas portuguesa, brasileña, española y latinoamericana por 16 años en la Universidad de Santa Cruz do Sul, en Rio Grande do Sul, y fue coordinadora de la editorial de la universidad. Actúa como colaboradora de la Feira do Livro de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul desde 1992 y fue curadora de la Feira do Livro de Brasília en 2008, por la Câmara do Livro do Distrito Federal. Trabajó en el Ministerio de Educación en Brasilia, como asesora para temas del Mercosur y Educación, en la Secretaria de Derechos Humanos de la Presidencia de la Republica como asesora para temas relativos a la letalidad de niños y jóvenes, y en el Ministerio de Justicia como coordinadora nacional y consultora para el proyecto «Mujeres de la Paz» de 2006 hasta 2013. Publica en los periódicos electrónicos Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/ Digestivo Cultural, https://www.digestivocultural.com y el Pasquim do Fausto Wolff e amigos na web, https://www.olobo.net También es columnista del Sul21, https://sul21.com.br/jornal/ y del www.wsimagazine.com/ Es autora del blog https://mujerdepalabras.blogspot.com.br/